Fonte...
"- Eu chamei-a cá a propósito desta fonte que está à nossa frente.
- Tem a ver com o facto de não deitar água? Perguntei.
- Não deita água agora mas de vez em quando sim. E é sobre esse aspeto que queria falar consigo. A Câmara Municipal pretende remodelar este parque infantil e aumentá-lo. Contudo, só o poderia aumentar para o lado da fonte, o que implicaria a sua demolição. Já o tentou fazer por várias vezes, alegando que a fonte tinha secado, mas os moradores em volta impediram a empreitada. Defenderam que de vez em quando ela deitava água e, se um dia deitou água continuamente, então poderá voltar a fazê-lo de novo. Acontece que nem a Câmara cumpriu as suas intenções, nem os moradores viram ser cumpridos os seus presságios, arrastando-se esta situação há anos. O que quero dizer com isto é que por vezes as pessoas agarram-se a réstias de afeto porque acreditam que, se um dia foram amadas por determinada pessoa, ainda podem voltar a ser, e arrastam aquela situação durante demasiado tempo. Tal como acontece com esta fonte. Se não dá, não dá! Forçar, insistir, nem com o calçado. Não se pode ter medo de pôr um ponto final nas coisas.Medo devemos ter de pôr reticências onde seria um ponto final. Pois as reticências são uma porta entreaberta que, na maioria das vezes, apenas serve para dar uma falsa esperança a quem fica em casa, para que a pessoa que a abandonou tenha alguém à sua espera sempre que quiser voltar. E quando a pessoa que ficou em casa está quase, quase a desistir, lá vem de novo a outra pessoa espreitar pela porta para a lembrar de que ainda não se esqueceu dela. Pode até não se ter esquecido, mas se quisesse realmente ficar não se teria ido embora. O mesmo acontece com esta fonte. Só porque de vez em quando ela começa a deitar água, pensam que isso justifica continuar à espera que a água corra continuamente. Já se sabe que umas vezes terá mais caudal que outras e que épocas mais secas haverá sempre, como tudo na vida, mas o amor é uma fonte que está sempre a deitar. Não deita de vez em quando. E é preciso distinguir as coisas."
* Retirado do livro "Ganhei uma vida quando te perdi" de Raul Minh´Alma.
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